Uma escolha muito difícil

Assim como a série não tem vergonha de mostrar suas críticas ácidas, este que vos escreve também não. A escolha por um modelo de postagem semanal não agradou a todos, como era de se esperar. Porém decisões como essas não tão tomadas do dia para noite, e o principal motivo para a mudança nesse ritmo era conceder maior longevidade ao show. De maneira análoga basta pensar em Stranger Things, da Netflix. Claro que em uma primeira semana a série consegue se manter bem em visualizações e redes sociais, mas rapidamente é esquecida devido a subsequente manutenção de outros conteúdos.

A segunda vez é ainda melhor (mas com ressalvas)

Mas como começar a falar da narrativa da segunda temporada de The Boys? Em um primeiro ano mais misterioso, a segunda parte da série acontece pouco tempo após o final surpreendente, em que Billy Butcher descobre que sua até então falecida esposa, Becca, está viva e com um filho do Capitão Pátria. A partir daqui já é melhor não entrar em detalhes adicionais, pois a série consegue entregar uma trama — quase — amarrada e bem sólida para o público. A consistência da série é criada a partir dos três episódios iniciais, que são muito bem feitos e abrem as portas para os capítulos semanais, e de cara começam alguns problemas menores. O principal erro da segunda temporada de The Boys são erros de continuidade entre seus episódios. Parece não haver uma transição, muitas das vezes, entre o fim de uma parte e o início de outra. Claro que isso não poderia se tornar uma regra uma vez que certos acontecimentos não precisam, categoricamente, serem tão bem desenhados para quem assiste. Por outro lado, existem momentos importantes que simplesmente são ignorados, como um personagem que estava na cama de um hospital em um estado de saúde não tão bom, e imediatamente no próximo episódio já estava em cena, mesmo que com sequelas. Ou uma dada personagem que decide escapar de um super exército armado com um simples canivete de uma hora para outra, sem mostrar o desenvolvimento dessa ação específica, por mais que já tenha contextualizado o motivo. Fatidicamente pode ser estranho dizer isso, mas se o ritmo de episódios fosse diferente, eu — provavelmente — não estaria reclamando disso. A grande questão aqui é a fluidez de ações que são interrompidas devido a uma decisão de distribuição e marketing. Além disso, o desenrolar da trama mostra furos de roteiro ocasionais e que não fazem sentido para aquele universo. Não há muito sentido um grupo de foragidos pela polícia e procurados por super-heróis perambulando pela cidade a luz do dia sem que ninguém os reconheça. Esses deslizes não tornam a segunda temporada de The Boys menos interessantes ou pior, mas eles estão lá e podem incomodar. E não daria para falar dessas cenas sem mencionar alguns diretores que fizeram um ótimo trabalho em The Boys. Philip Sgriccia, Liz Friedlander, Steve Boyum, Stefan Schwartz e Frederick Toye comandam o crème de la crème — em homenagem ao Frenchie — dos episódios da série, trazendo ação desenfreada, muitas mortes e ótimos momentos de descontração, até porque The Boys também tem grande ênfase no seu humor escrachado, imoral e preconceituoso muita das vezes. Se antes a série centrou, principalmente, suas críticas em questões relacionadas a vida de uma celebridade, Hollywood, e a constante e inescrupulosa indústria do entretenimento estadunidense, a segunda temporada expande os seus horizontes, mas ainda mantem suas raízes, uma vez que a Vought é permanentemente pautada como uma agência de super-heróis famosos. Agora, os roteiristas e o showrunner encontraram o lado burocrático e político para migrar, usando e abusando de referências e atualidades para caracterizar seus personagens. Não se trata mais exclusivamente de mostrar a podridão do entretenimento, mas sim como as massas se agarram não somente a ideias, como também a pessoas; a personalidades, criando um imaginário de adoração e contemplação à figuras públicas moldadas a implantar e disseminar o seu discurso de ódio por uma nação, e consequentemente para o mundo. Temas como terrorismo, racismo, nazifascismo e xenofobia são amplamente abordados e destacados no contexto de celebridades e homens com poderes titânicos. E é ai que entra uma nova e excelente personagem em The Boys: Tempesta. Interpretada pela atriz Aya Cash, a personagem sintetiza o que há de pior no mundo moderno, resgatando um passado aterrorizante e o mascarando como uma renovação e um símbolo de esperança na tentativa de tornar os Estados Unidos em um país como era antes, dotado de bons costumes e pessoas civilizadas.

Psicopatas carismáticos

De mesma maneira, é impossível falar de The Boys sem mencionar os principais chamarizes dessa série. Karl Urban parece ter nascido para interpretar Billy Butcher, que não mais é apenas um valentão, mas sim uma máquina de matar sem escrúpulos, pudor e medo. O desenvolvimento do personagem ganha camadas cada vez mais profundas e nos apresenta as diferentes facetas de um adulto problemático, ressentido, e que usa a violência para resolver qualquer situação. Por outro lado, o grande vilão de The Boys é não ironicamente o personagem mais fraco da série. Novamente, o ator Anthony Starr parece ter nascido, especificamente, para interpretar o Capitão Pátria. Sua postura carismática frente as câmeras é constantemente confrontada com um ego enorme e suscetível a manipulações. O símbolo de uma América deturpada anseia por aprovação da mídia e das massas. Homelander é o produto do entretenimento em pessoa, mas que carrega consigo uma série de problemas de auto-aceitação e desconta isso partindo inocentes ao meio em becos da cidade. Starr sabe exatamente como dar vida a um personagem tão bem construído como esse a partir de expressões faciais certeiras e um senso cínico impecável. O resto dos personagem também dispensa apresentações. Hughie (Jack Quaid) e Luz-Estrela (Erin Moriarty) evoluem como um casal divertido, enquanto Leitinho da Mamãe (Laz Alonso), Frenchie (Tomer Capon) e principalmente Kimiko (Karen Fukuhara) desenvolvem um excelente arco para a compreensão e background desses personagem. Ainda há a mais do que especial participação do ator Giancarlo Esposito na pele de Stan Edgar, o grande chefão por trás da Vought. Suas aparições são bem limitadas, mas assim como Gus Fring em Breaking Bad, o ator mostra que consegue que tem o que é preciso para bater de frente com qualquer um sem pestanejar. A série ainda conta com a participação de outros atores, como Shawn Ashmore (X-Men), mas não chega a se aprofundar com esse personagens. Outros personagens que integram Os Sete também ganham novas camadas, como a Rainha Maeve (Dominic McElligott), que desenvolve seu relacionamento com sua namorada ao mesmo tempo em que é chantageada pelo Capitão Pátria, e explorada pelo entretenimento por ser bissexual. Afinal de contas, as empresas precisam de representatividade ou caso contrário sofrerão retaliação de grupos minoritários da sociedade. The Boys mostra de uma maneira extremamente satírica como a indústria utiliza meios de convencer minorias através de discursos falsos e sorrisos forjados nas telinhas. Profundo (Chace Crawford) e Trem-Bala (Jessie Usher) também chegam a ganhar mais escopo no começo da segunda temporada de The Boys, mas a série não consegue dar continuidade e isso e perde o passo, deixando tudo com um ar de resolução para o futuro e alguns conflitos em aberto. Outros importantes méritos devem ser direcionados à equipe de maquiagem, ao criar cenas de gore e violência extremamente realista, juntamente com a adição de efeitos especiais, que embora não seja comparável a séries de maior orçamento, faz um bom CGI. A trilha sonora não tem nada de original e se apega a clássicos de Billy Joel e Aerosmith, mas que garantem um bom grau de agitação e um resultado satisfatório.

O que era bom ficou ainda melhor

Mais cruel, violenta e ousada, a segunda temporada de The Boys supera o seu primeiro ano com críticas precisas, humor, muito sangue e atuações excelentes. Ainda não é uma produção perfeita, mas é boa o suficiente para manter o espectador satisfeito por mais alguns anos. The Boys pavimenta os caminhos para a terceira temporada com um último episódio avassalador e, definitivamente, é uma das melhores séries de 2020.

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