Em meio a tantos relançamentos de jogos que vemos atualmente, o padrão esperado para Mafia: Definitive Edition estava bem elevado. A Hangar 13, que desenvolveu a nova versão, conseguiu fazer um dos jogos mais bonitos da atual geração de videogames, mas a jogabilidade datada e alguns problemas técnicos prejudicaram o game, disponível para PlayStation 4, Xbox One e PC.

Identidade própria

Mafia é uma franquia que pode ser facilmente comparada a GTA, grande sucesso, inclusive, da mesma publicadora, 2K. O jogo, de terceira pessoa com mecânicas de tiro, acompanha um homem simples que entra para o mundo do crime, e, a cada missão, sobe na hierarquia de sua organização criminosa. Entre um objetivo e outro, há a possibilidade de dirigir veículos (e até roubá-los) por uma vasta cidade — aqui, a fictícia Lost Heaven, baseada em Chicago, Estados Unidos. As semelhanças, felizmente, acabam por aí, e o jogo tem sua própria identidade. Mafia: Definitive Edition não dá a mesma liberdade de ação que GTA, sendo seu foco nas missões e na história, deixando a cidade para ser explorada por entusiastas. Assim, entre uma missão e outra, o jogador apenas escolhe seu veículo e se encaminha para seu próximo objetivo, e é possível até pular esses momentos, exceto quando a fuga ou perseguição faz parte do objetivo. Mafia se configura, então, como um jogo de mundo semiaberto. Tendo pouco o que explorar, o jogador não deve esperar por objetivos secundários ou colecionáveis. Há algumas artes de revistas e de carteiras de cigarro para encontrar pelos cenários, mas estão lá apenas para jogadores que prezam pelo colecionismo. Assim, Mafia: Definitive Edition é um jogo direto, para que se acompanhe a trajetória de Tommy Angelo pelo mundo do crime. O remake não mexeu nesta estrutura, e Mafia: Definitive Edition é tão somente uma releitura moderna do que foi Mafia em 2002. A escolha dos desenvolvedores resultou em pontos positivos e negativos.

Uma história de mafiosos

Você provavelmente já assistiu, leu ou ouviu sobre casos de mafiosos italianos nos Estados Unidos. Para quem já está familiarizado com o tema, Mafia: Definitive Edition não traz nada de novo, cedendo a clichês do gênero. Isso, no entanto, não é uma crítica, pois o jogo trata com maestria os acontecimentos. Em Mafia: Definitive Edition acompanhamos a entrada e ascensão de Tommy Angelo na máfia ítalo-americana. A ambientação é a década de 1930, época quando os Estados Unidos levantaram rígidas restrições à comercialização e consumo de bebidas alcoólicas (período conhecido como lei seca americana). O país passava por uma grande recessão econômica, após a grande crise iniciada com a “quebra” da bolsa de valores em 1929. O período era propício para que grupos criminosos se organizassem e traficassem toda sorte de bebidas alcoólicas e as distribuísse pelo território estadunidense. Entre disputas territoriais, abria-se espaço para a corrupção de agentes públicos, além de diversos outros crimes, como assassinatos, explosões, trocas de tiro em vias públicas, e muito mais. Sem entrar em detalhes de como a história se desenrola, as missões de Mafia: Definitive Edition contêm o que se espera de obras do gênero. No jogo, o jogador terá que levar mafiosos de um lugar para outro, travar guerras de gangue, assassinar figuras públicas, testemunhar traições e até receber carregamentos de bebidas — aproveitamos para indicar ao leitor a excelente série Boardwalk Empire, da HBO.

Belíssimas apresentações visual e sonora

Jogar Mafia: Definitive Edition é como assistir a um dos filmes d’O Poderoso Chefão, porém com interatividade. A ambientação do jogo é magnífica, e ressalta bem a sensação de uma cidade propícia para o crime. A arquitetura, as vestes dos personagens e os veículos são bem retratados. O maior destaque para Mafia: Definitive Edition fica para o visual dispensado ao jogo, que é um deleite para os olhos do jogador. Todo o cenário é minimamente pensado e montado para se parecer fiel à cidade na qual Lost Heaven se espelha, de forma que a cidade do game original é apenas uma mera lembrança para jogadores saudosistas. Os veículos são variados e tão detalhados que parecem estar em um jogo de corrida, não de “mundo aberto”. O destaque dado a eles é tão grande que a Hangar 13 separou uma seção no menu (chamada Veiculopédia) apenas para que o jogador veja (e faça um test drive) os carros e motos já vistos e dirigidos no modo campanha. Em tempos em que o Ray Tracing se populariza, Mafia: Definitive Edition conta com efeitos de iluminação de ponta, porém sem fazer uso da tecnologia, que não é compatível com os videogames atuais (PlayStation 4 e Xbox One). Os veículos refletem o mundo por onde passam. Poças de água, que se formam quando a chuva cai sobre Lost Heaven, refletem faróis dos carros e luzes dos prédios, tudo de maneira dinâmica e realista. O capricho dado ao ambiente do jogo, infelizmente, não é acompanhado pelos modelos dos personagens, que às vezes parecem um boneco de cera, outras parecem ter saído da geração do PlayStation 3 e do Xbox 360. Ainda que não haja muito o que fazer no jogo além das missões da campanha principal, Mafia: Definitive Edition contém um modo — acessível pelo menu principal — de livre exploração da cidade de Lost Heaven, que é fruto de um ótimo trabalho da Hangar 13. A cidade é grande e tem vários pontos de interesse, como parques e uma enorme igreja, tudo muito bem detalhado e visualmente impressionante. Neste modo, o jogador poderá, além de vislumbrar e explorar Lost Heaven, arrumar confusão com a polícia e dirigir diversos veículos, mas não há muito mais do que isso para se fazer. Infelizmente, o nível de liberdade dispensado ao jogo não é nada perto do visto na série Grand Theft Auto, mas felizmente não atrapalha a proposta de Mafia. Outro ponto forte é a trilha sonora de Mafia: Definitive Edition, que também foi refeita (com direito a novas composições). Em mais este aspecto, o jogo lembra O Poderoso Chefão, obra que marcou o gênero.

Jogabilidade antiquada

A intenção da Hangar 13 com Mafia: Definitive Edition foi tão somente trazer o Mafia de 2002 para jogadores atuais, com tudo o que a tecnologia atual consegue fazer em benefício de gráficos e som. A jogabilidade, no entanto, fora mantida. Dirigir se torna algo mais próximo a uma simulação do que casual, e é uma ação difícil no jogo. A sensação é de que carros não são rápidos ou estáveis o suficiente (afinal, estamos na década de 1930), e perder o controle é comum. Dá até para escolher transmissão manual para uma dirigibilidade mais realista. Enquanto isso faz sentido ao jogador, há estranheza em outros aspectos da jogabilidade. A Hangar 13, ao atualizar quase que exclusivamente os visuais do jogo, deixou Mafia: Definitive Edition com cara de jogo novo, mas com jeito de um game antigo. Momentos de trocas de tiro são comuns, naturalmente. Contudo, o ato de atirar não passa a devida sensação de impacto ao jogador, e os inimigos praticamente não reagem ao serem acertados. A movimentação de Tommy Angelo também é lenta, travada. Mover-se entre obstáculos durante as perseguições e tiroteios é um limitante que mais irrita o jogador. Outro ponto que incomoda são os momentos de briga “no braço” contra NPCs (personagens não controláveis). As movimentações não são nada convincentes e falta a sensação de que aquele soco ou a joelhada foram “de verdade”.

Problemas técnicos

O trato visual que a Hangar 13 dispensou a Mafia: Definitive Edition parece ter um preço a cobrar, e este são os problemas técnicos que o jogo possui. O problema mais comum presente no título é o seu desempenho. O game é projetado para rodar a 30 quadros por segundo, mas estar abaixo desse patamar é comum. Quando o jogo está intenso, com muitos elementos na tela e em tiroteios, as quedas de desempenho são constantes e atrapalham a execução das ações exigidas. Uma das armas (o rifle), inclusive, gera uma lentidão na atualização de quadros sempre que a mira é ativada. Também há erros visuais, como a demora no carregamento de texturas de prédios e das ruas. Bugs acontecem constantemente, como NPCs que não se comportam como deveriam. Durante nossos testes, em uma das missões, um dos mafiosos amigos do protagonista chamava por Tommy Angelo a todo o momento para que o esperasse entrar no carro (e dar prosseguimento à missão), mas ele já estava no veículo. Em outro momento, um NPC não tomava nenhum dano do protagonista, não importava o que fizesse, mas acertava socos mesmo estando longe do jogador. Os bugs acontecem, mas são pontuais e não estragam a experiência de Mafia: Definitive Edition. As quedas de desempenho, por outro lado, deixam o jogador na mão nos momentos que exigem maior atenção e precisão nos controles. Vale dizer que em PCs robustos e nos consoles mais potentes (PS4 Pro e Xbox One X) as quedas são menores, mas ainda assim acontecem.

Anacronismo dos videogames

Mafia: Definitive Edition é um jogo que traz uma experiência cinematográfica excelente, com uma história de mafiosos que, apesar de não surpreender, prende a atenção do jogador do início ao fim. A obra foi bem-sucedida em recriar o Mafia de 2002 com visuais modernos, mas perdeu uma grande oportunidade de ir além e atualizar a jogabilidade. O resultado é uma obra belíssima por fora e datada por dentro, que de alguma forma não se encaixa bem em 2020. Para resumir em um termo, Mafia: Definitive Edition é um anacronismo dos videogames. Mafia: Definitive Edition pode ser encontrado na Steam (PC), Microsoft Store (Xbox One) e PS Store (PS4). Análise feita a partir de cópia do jogo cedida pela 2K.

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