A tecnologia, claro, tem um grande papel nessas transformações (alguém aqui lembra do fax?), mas as principais novidades ocorrem no campo das pessoas, como jornadas flexíveis e trabalho remota. Outras foram motivadas pela pressão de grupos sociais, como inclusão e diversidade no ambiente de trabalho, assim como igualdade salarial. Ao avaliarmos mudanças, conseguimos ver o quanto as coisas mudaram e estão mudando, ainda que de forma mais lenta do que gostaríamos, e como ainda temos um longo caminho pela frente. Confira a seguir as principais tendências do mercado dos últimos 25 anos.
Para o melhor:
Ações para diversidade e inclusão
A falta de diversidade em todos os níveis, mas especialmente nos cargos de liderança, é um problema antigo das empresas, mas que só agora tem recebido a devida atenção. Em 2014, muitas das principais empresas de tecnologia começaram a publicar relatórios anuais de diversidade, com resultados decepcionantes. Após seis anos, os números não mudaram muito: em 2014, apenas 2% do quadro de funcionários do Facebook nos EUA era negro – atualmente, a representatividade é de apenas 3.9%, um crescimento irrisório. Nos últimos anos, a conversa evoluiu além da tentativa de convencer as empresas de que a diversidade é crucial e ganhou força com o movimento Black Lives Matter (#BLM). A morte de George Floyd em maio deste ano culminou numa agitação civil em diversos países, e muitas empresas expressaram foco renovado em diversidade e inclusão. O Instagram, por exemplo, anunciou novas medidas em setembro que incluíam a criação de uma equipe focada em diversidade. Já a Magazine Luiza anunciou um processo seletivo para trainee exclusivo para negros. A realidade é que agora mais do que nunca, os consumidores estão exigindo ações concretas e responsabilizando as empresas. Um exemplo recente é o Nubank, que foi de querido a acusado de racismo e perdeu usuários após a confundadora Cristina Junqueira afirmar durante o programa Roda Viva que a startup está investindo num programa de formação, mas que o nível de exigência é alto e que não dá para “nivelar por baixo”.
Igualdade salarial entre gêneros
Assim como a questão da diversidade e inclusão, a desigualdade entre homens e mulheres no local de trabalho, principalmente em se tratando de remuneração, é uma questão antiga que tem se destacado mais recentemente. Nos últimos anos, as questões centrais das disparidades salariais receberam muito mais atenção, mas ainda há muito a se fazer – tanto quanto a presença de mulheres nas empresas (especialmente em cargos de liderança), quanto em igualdade salarial. No Brasil, em 2011, homens com ensino superior ganhavam, em média, R$ 3.058, enquanto as mulheres com o mesmo nível de formação ganhavam, em média, R$ 1.865, o que representa uma diferença de salário de 63,98%. Em 2019, a diferença aumentou e passou a ser de 47,24%, com homens ganhando em média R$ 3.946 e, mulheres, R$ 2.680. Em contrapartida, empresas estão se movimentando para reverter esse cenário. Em 2015, a Salesforce assumiu o compromisso de garantir remuneração equivalente para cargos iguais. Desde então, foram feitas quatro avaliações globais para igualar os salários, num processo que consumiu investimentos da ordem de US$ 10 milhões. A XP Inc., por sua vez, assumiu neste ano a meta de contar com ao menos 50% de mulheres em seu quadro total de funcionários, em todos os níveis hierárquicos, até 2025.
#MeToo e a luta contra o assédio sexual
As acusações contra Harvey Weinstein que vieram à tona no final de 2017 inspiraram o movimento #MeToo (#EuTambém), movimento contra o assédio, a agressão e a discriminação sexual, principalmente no ambiente de trabalho. No Brasil, o assédio sexual cometido no ambiente de trabalho é considerado falta grave e pode ensejar a demissão por justa causa, conforme a Consolidação das Leis do Trabalho, bem como a abertura de processo administrativo e respectivas consequências (Lei nº 8.112, de 1990). Também na esfera administrativa, o agressor pode ser punido pela conduta de assédio. Na esfera criminal, a punição pelo assédio pode atingir até dois anos de detenção. No entanto, é muito comum que as vítimas sejam intimidadas para não denunciar. Após Weinstein, mais mulheres se sentiram encorajadas – ou fartas -, e passaram a reportar os assédios ou agressões. No entanto, apesar de ser uma tendência forte no mercado, o problema ainda está longe de ser resolvido.
Jornadas de trabalho flexíveis
A ideia de horários flexíveis, ou até mesmo reduzidos, não é nova. Em 1956, Nixon previu o surgimento de uma semana de trabalho de quatro dias em 1956. No entanto, realmente flexibilizar a jornada de trabalho é algo mais recente. Por um lado, temos os smartphones que nos permitem responder e-mails e mensagens de trabalho durante o trajeto ou até mesmo em casa. Por outro, temos os esforços das empresas em atrair e reter profissionais qualificados que não aceitam mais jornadas rígidas. Na Versa, agência de marketing digital australiana, por exemplo, os funcionários não trabalham às quartas-feiras desde 2018 (a não ser que algum cliente tenha uma demanda urgente). O resultado? Maior produtividade dos colaboradores e maior faturamento para a empresa. Enquanto a demanda por horários flexíveis já existia no início do ano, com a pandemia essa tendência de trabalho veio para ficar.
Popularização do trabalho remoto
O trabalho remoto, ou home office, já era um dos maiores atrativos para os colaboradores, mas com o isolamento social necessário durante a pandemia se tornou essencial – e um benefício que os funcionários exigirão ainda mais no pós-pandemia. Os brasileiros já passaram mais de sete meses em quarentena e perceberam que muito, se não tudo, do que faziam no escritório pode ser feito em casa – e muitos relataram maior produtividade neste período. Atualmente, temos ferramentas colaborativas, como Slack, Zoom, Google Docs e Microsoft Teams, que possibilitam o trabalho conjunto e a comunicação frequente entre todos da empresa. Além disso, as redes sociais, em especial o LinkedIn, ajudam as pessoas a fazer novas conexões, ou networking, também remotamente. Essas tendências de trabalho definitivamente permaneceram pelos próximos anos. Algumas empresas de tecnologia, como Facebook e Twitter, já anunciaram planos de manter os funcionários remotos indefinidamente, enquanto outras companhias afirmaram que combinarão o home office e o presencial.
Menos tabu em relação à saúde mental
Quase um em cada cinco adultos relata ter uma doença mental. Apesar da prevalência de distúrbios como depressão e ansiedade, não somos incentivados a falar sobre isso no trabalho (ou na vida pessoal). No entanto, existem sinais de que esse estigma pode estar começando a desaparecer, possivelmente devido a uma maior compreensão sobre o impacto da saúde mental dos trabalhadores em sua produtividade – e consequentemente no faturamento das empresas. Segunda uma pesquisa da Willis Towers Watson em maio de 2020, 77% das empresas relataram que estão oferecendo ou expandindo os serviços relacionados à saúde mental que oferecem aos funcionários. Durante a pandemia, diversas companhias ofereceram rodas de conversas com psicólogos e o próprio Gympass, benefício corporativo inicialmente focado em saúde, com entrada em diversas academias, passou a oferecer o serviço em sua plataforma.
A comunicação ficou muito mais fácil
Se antigamente tudo era feito no papel, agora as coisas acontecem todas no online. Os aparelhos de fax e o secretária eletrônica eram essenciais para a comunicação com pessoas de fora do escritório. Em seguida, o e-mail se tornou o preferido e agora, vale até mandar mensagem no WhatsApp. À medida que os funcionários começaram a se afogar em e-mails e projetos, ferramentas de gerenciamento como Trello, Basecamp e Google Docs começaram a ganhar popularidade. O Slack sozinho cresceu de 30 mil empresas em outubro de 2014 para 638 mil hoje. Com o trabalho remoto, essa tendência do mercado com certeza seguirá em alta, com novas ferramentas surgindo para facilitar a vida nesse novo momento.
Para o pior:
Menor equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal
O equilíbrio entre a vida profissional e a pessoal começou a ser questionado nos anos 1980, quando os baby boomers começaram a rejeitar a ideia de que eram apenas uma engrenagem de uma máquina. Agora, 40 anos depois, ficou claro que é impossível realmente ter um equilíbrio entre ambas. Quem nunca fez hora extra, precisou responder uma mensagem ou um e-mail profissional após o horário de trabalho que atire a primeira pedra. Com a evolução das ferramentas de comunicação, os funcionários começaram a se sentir pressionados a verificar e responder a todas as solicitações que chegavam. Essa situação se tornou uma realidade inegável durante a pandemia, quando vivemos e trabalhos no mesmo ambiente, o que torna mais difícil ainda separar uma coisa da outra. Essa é uma tendência do mercado que esperamos que não dure por muito tempo – afinal, do que vale as ações em relação à saúde mental se não há limites entre o profissional e o pessoal?
Benefícios que não são exatamente vantajosos
Mesas de pingue-pongue no escritório. Pufes para você sentar e relaxar. Kombucha na torneira. Muitas empresas, especialmente no setor de tecnologia, estão dispostas a fazer de tudo para atrair e reter profissionais qualificados. Basta olhar para os benefícios oferecidos por muitas startups. Mas, apesar de parecer vantajoso, há um lado insidioso nessas ofertas, conhecidas como capitalismo de bem-estar. Isso porque esses pequenos pontos positivos tem o objetivo de alterar o seu comportamento, para que você quem sabe não pense que ei, tudo bem trabalhar mais uma ou duas horas para compensar aquela partida de pebolim de 15 minutos.
Precarização das relações trabalhistas
Sob o pretexto de conveniência e flexibilidade, os trabalhadores de aplicativos, como entregadores do Uber e iFood, geralmente possuem jornadas mais longas e ganham menos do que o salário mínimo sem nenhuma das proteções das Leis Trabalhista, como licença médica, poupança para aposentadoria, férias remuneradas, entre outras. Durante a pandemia, a situação se agravou ainda mais, com muitos brasileiros perdendo o trabalho e recorrendo aos aplicativos como uma forma de renda. Segundo levantamento do IBGE, o Brasil encerrou o mês de setembro deste ano com um 13,5 milhões de desempregados, cerca de 3,4 milhões a mais que o registrado em maio, uma alta de 33,1%. Devido às condições precárias, os entregadores de apps realizaram paralisações em todo o Brasil, exigindo maior transparência sobre as formas de pagamento adotadas pelas plataformas, aumento dos valores mínimos para cada entrega, mais segurança, entre outras medidas. Com as constantes mudanças e avanços tecnológicos, e o impacto da pandemia do coronavírus, fica difícil dizer como será o ambiente de trabalho daqui 25 anos. Apesar de já termos avançado muito, ainda há espaço para muitas melhorias. Fontes: Fast Company, Agência Brasil, Facebook, Freepik, Deposit Photos, Airtame