“Quando decidimos investir no Monet, os preços cobrados pela transmissão internacional de dados no Brasil eram absurdos”, diz Antonio Nunes, CEO da Angola Cables. “Foi só começarmos a operar em 2017 que eles caíram rapidamente. Podemos dizer que já trouxemos um grande benefício para o mercado de telecomunicações brasileiro. Foi ruim para nós, mas foi bom para o mercado”, complementa. Nunes, além de CEO, é um entusiasta da navegação a vela. A Angola Cables patrocina um veleiro de competição, o Mussulo III, que participou de uma regata na Semana da Vela em Ilhabela, tendo o CEO na tripulação. Após a regata, onde o Mussulo III chegou em primeiro lugar em sua categoria, conversamos com Nunes sobre a estratégia da empresa no Brasil, tecnologia, geopolítica e cinema.
Uma conversa com o CEO da Angola Cables
Showmetech: Porque a Angola Cables está investindo no Nordeste brasileiro e não no Sul, onde se concentram os grandes investimentos em tecnologia? Nunes: “Estamos entrando pelo Nordeste porque é onde nossos cabos chegam e, do ponto de vista da conectividade internacional, é uma região mais estratégica na distribuição do tráfego. Somos uma empresa mais voltada para a internacionalização, não para o mercado interno.“ Showmetech: O usuário final vai sentir alguma mudança de preço ou qualidade de conexão com a entrada do cabo SACS em funcionamento? Nunes: “O usuário final, em grandes centros urbanos, talvez não sinta nenhuma diferença, mas o de regiões afastadas com certeza terá um acesso melhor. Os provedores de internet pequenos vão crescer bastante e comer fatias dos maiores. Nas cidades grandes, nosso cabo não irá trazer grandes diferenças por dois motivos. O primeiro é que o consumo de internet no Brasil é prioritariamente local. Mesmo empresas mundiais como Google e Netflix possuem cache local que não exigem que sua conexão dê a volta ao mundo em busca de um conteúdo.O outro motivo é que o drama do consumidor está ligado a quem domina a rede ‘de última milha’, aquela que chega na casa do usuário. É ele quem define o preço. Mas essa não é nossa área de negócios, estamos mais no atacado. Não temos estrutura para atuar no varejo da telecomunicação”. Showmetech: Dessa forma, quem será o maior beneficiário do projeto? Nunes: “O maior beneficiário será o país, que ganha maior capacidade para se internacionalizar. O SACS não vai atender uma demanda direta do cliente final brasileiro, porque ele não vê conteúdo africano. Mas as telenovelas brasileiras são populares no mundo inteiro. O conteúdo brasileiro é muito rico e até agora tinha dificuldades para ser transmitido para a África e Ásia. Não só novelas. Conteúdo sobre agricultura, por exemplo. Todos os canais rurais só não são vistos lá fora porque a ligação via satélite é muito cara. Com nosso cabo, eles podem ser transmitidos para a África, onde há muita demanda por esse tipo de conteúdo. O e-learning também é um nicho onde há muito conteúdo que os países de língua portuguesa têm interesse. A internacionalização é uma via de mão dupla. Uma empresa chinesa que está no Brasil vai sentir uma grande diferença com o SACS, porque essa vai ser a rota mais eficiente para a Ásia. A qualidade de serviço desses clientes vai ser maior.” Showmetech: Qual a estratégia da Angola Cables para competir com empresas muito maiores e já estabelecidas no mercado, como Vivo e Embratel? Nunes: “Nossa estratégia é sermos inovadores. A inovação não está apenas em criar novos produtos. Ela pode estar apenas em ser mais eficiente. Ser pequeno é uma vantagem, porque temos mais flexibilidade. Hoje temos como clientes operadoras regionais e locais ISPs, provedores de conteúdo e podemos oferecer tipos de conexão personalizados que as grandes não oferecem”.
Showmetech: Recentemente surgiu uma ótica muito peculiar sobre a relação entre alta tecnologia e o continente africano como um todo, através da popularização do filme Pantera Negra. O que você achou disso? A África, além disso, ainda teve um momento histórico de opressão colonial muito forte e nunca teve uma oportunidade para evoluir por ela própria. Isso faz com que não possamos ter os níveis de evolução almejados no filme Pantera Negra, o que seria interessantíssimo. Porém, o filme pode ser um bom ponto de partida para se discutir a situação na realidade. O minério que se usa para fazer o display dos celulares vem do Congo e a população de lá vive de forma miserável. Será que não seria responsabilidade do mundo desenvolvido garantir que, no local de onde se busca essa matéria prima, as pessoas tenham um mínimo de dignidade?” Showmetech: Você acha que há a possibilidade da África saltar da Idade do Bronze para a Era Digital? Nunes: “Esse não vai ser um salto, vai ser o grande pulo do gato, como vocês dizem. Os africanos não tem nenhum legado tecnológico. Assim, investimos sempre no mais moderno. Quando eu trabalhava com celulares, mandei meus engenheiros para Europa e eles reclamaram que os equipamentos utilizados lá eram muito antigos. Como não temos nada do passado, nossa adoção de novas tecnologias é mais rápida. O que nos falta hoje é estabilidade e conhecimento. Isso é uma questão de tempo”.
Angola na corrida digital
Assim, terminamos nossa conversa com Antônio Nunes. Deu para perceber que o Brasil é um parceiro estratégico para a Angola Cables atingir seus objetivos mundiais. Além disso, as falas do CEO a respeito do crescimento de países do continente africano no ramo tecnológico foi incrível, afinal, o que será que nos espera nas próximas décadas? E vocês, leitores? Gostaram da entrevista? Concordam com as opiniões expressas pelo Antônio Nunes? Deixe seu comentário abaixo. Fotos: Ricardo Cardoso